quinta-feira, 5 de novembro de 2009


A sociedade analgésica


Todo mundo sente uma dorzinha de vez em quando e, justamente por isso, só costuma se preocupar quando ela passa a atrapalhar significativamente a rotina. Geralmente, em vez de procurarmos um médico para amenizá-la, buscamos a informação com familiares, com o balconista da farmácia ou até na internet. Entretanto, para a Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED), a dor – sendo ela aguda ou crônica – não deve ser menosprezada e, muito menos, tratada sem orientação de um especialista. Considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o quinto sinal vital do corpo humano – depois de temperatura, pulso, respiração e pressão arterial – a dor e o seu grau de intensidade precisam ser avaliadas para que se saiba quais procedimentos tomar para tratá-la.

Segundo o reumatologista Daniel Feldman Pollak, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pacientes com condições musculoesqueléticas (que são muito comuns e incluem mais de 150 doenças e síndromes diferentes, habitualmente associadas à dor e inflamação) tem a pior qualidade de vida. “Está provado que o grau de sofrimento deles é maior que o de pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral (AVC). A dor crônica diminui a produtividade do indivíduo, baixa a auto-estima, causa depressão. Por isso, não pode ser ignorada”, explica.

Ao lado dos analgésicos, os anti-inflamatórios são os medicamentos mais usados para o tratamento da dor. Mas eles também são alvos de críticas e de rígida vigilância por causa de seus efeitos colaterais, em especial os problemas gastrointestinais. De acordo com o gastroenterologista Décio Chizon, professor da Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o grande número de usuários de anti-inflamatórios tradicionais e o tempo prolongado de utilização desses medicamentos fazem com que os efeitos colaterais adquiram uma proporção assustadora. “Para cada comprimido prescrito, outros sete ou oito são tomados por conta própria”, conta.


Como explica Daniel Feldman, não existem fármacos que não apresentem efeitos adversos, mas a principal causa do agravamento dessas complicações é o uso indiscriminado do medicamento. “O acompanhamento do médico é importante para definir qual anti-inflamatório será mais adequado, de acordo com a intensidade da dor, a idade e o histórico de cada paciente. É fundamental avaliar os riscos e os benefícios de cada medicamento. Geralmente, quanto mais eficiente a substância, maiores são os riscos de desenvolver úlceras ou problemas cardíacos”, avisa.

Dentre os cerca de 30 milhões de pessoas que tomam anti-inflamatórios por dia no Ocidente, 25% dos usuários crônicos vão desenvolver úlcera e de 2% a 4% terão complicações mais graves, como sangramento e perfuração. Mesmo assim, para Décio Chizon, quando o medicamento é usado corretamente, os benefícios são muito maiores do que os riscos. “Hoje em dia é possível minimizar os efeitos adversos desses remédios. Os anti-inflamatórios tradicionais podem ser associados com outros fármacos, como os inibidores da bomba de prótons (IBP), que protegem o estômago. Outra alternativa é o uso dos coxibes, anti-inflamatórios de última geração, com menos efeitos gastrointestinais”, diz.

Outros riscos

O uso dos coxibes, entretanto, é polêmico. No Brasil, eles só podem ser vendidos sob prescrição médica e com retenção de receita. Muitos medicamentos, entre eles o Vioxx e o Prexige, tiveram a venda proibida. Isso porque são acusados de causar complicações hepáticas, renais e cardíacos.

Entretanto, segundo o cardiologista Paulo Bertini, médico pesquisador da Unidade Clínica de Aterosclerose do Instituto do Coração (InCor), todos os tipos de anti-inflamatórios, tanto os tradicionais quanto os coxibes, podem aumentar a pressão arterial e apresentam riscos similares para efeitos adversos cardiovasculares, como infarto, derrame e insuficiência cardíaca, assim como insuficiência renal. “É um mito achar que apenas os coxibes causam riscos cardiovasculares. Sabemos hoje que a incidência desse tipo de efeito é si milar em ambos”, explica.

Além de aumentar as chances de desenvolver problemas gastrointestinais e cardíacos, o uso indevido e por tempo prolongado de qualquer tipo de anti-inflamatório também pode anular a eficácia destes medicamentos, como explica o ortopedista Rogério Teixeira da Silva, presidente do Comitê de Trau¬¬¬mato¬¬¬logia Des¬¬portiva da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Trau¬¬ma¬¬¬tologia (SBOT). “A automedicação leva à cronificação da dor, ou seja, a falta de tratamento clínico ou cirúrgico torna a dor aguda, provocada por uma lesão crônica. Estudos indicam que a dor não controlada é a principal causa de reinternação e que tratar a dor corretamente melhora o resultado cirúrgico”, diz.


Tudo começou com a Aspirina


O primeiro medicamento da história da humanidade com propriedades anti-inflamatórias é o ácido acetilsalicílico (a Aspirina) inicialmente sintetizado na Alemanha, em 1899. Todos os anti-inflamatórios têm a capacidade de inibir a enzima ciclo-oxigenase, que se apresenta na forma de COX-1 e COX-2, responsável pela produção do hormônio prostaglandina, que protege a mucosa gastroduodenal, mas, ao mesmo tempo, transmite a dor.


Os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) podem ser divididos em dois grupos: os tradicionais e os coxibes. Os tradicionais inibem as duas formas da ciclo-oxigenase, diminuindo a dor, mas deixando o estômago e o duodeno vulneráveis, devido à diminuição de protaglandina. Já os coxibes inibem apenas a COX-2.


A dor também pode ser tratada com analgésicos (quando não existe inflamação), ou ainda com opioides, mais usados no tratamento de dor intensa aguda e dor crônica em pacientes oncológicos.

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