terça-feira, 24 de setembro de 2013

Por que modernizar a CLT?
José Pastore

           Profissionais altamente qualificados, de renda alta, que cuidam das próprias proteções nos campos da saúde e da previdência social, estão legalmente impedidos de estabelecer com os empregadores regras contratuais que estejam fora da tutela da CLT. Essa é uma das centenas de normas rígidas que fazem parte da legislação trabalhista do Brasil. O mesmo impedimento existe para as pessoas que desejam trabalhar em regimes diferentes das jornadas estabelecidas naquela lei, o que está em desacordo com a prática de jornadas flexíveis tão necessárias quanto frequentes nos países avançados onde o trabalho se adapta às necessidades e desejos das pessoas.
   
Igualmente impedidos estão os profissionais que desejam ser remunerados - sistemática e habitualmente - pelo que produzem, não pelo tempo trabalhado, mais uma vez, na contramão das nações desenvolvidas onde crescem a cada dia os que ganham pelas ideias que criam e pelos projetos que executam - não pelo tempo que gastaram para chegar a eles. Na CLT, a lista de regras rígidas e inflexíveis é imensa.
   
A insistência da nossa legislação ao impor regras rígidas e homogêneas em situações voláteis e heterogêneas conspira contra a eficiência dos negócios e a qualidade de vida dos trabalhadores ao mesmo tempo em que inibe a inovação e encarece a produção. Apesar de a CLT ter passado por alguns ajustes ao longo dos seus 70 anos de vida, o cerne daquele diploma legal não mudou, ou seja, a ideia de que todos os trabalhadores são hipossuficientes.
  
Segundo esse princípio, eles não têm liberdade para negociar e aceitar condições diferentes das estabelecidas na CLT. Cito um exemplo: muitos empregados têm interesse em reduzir o horário de almoço de uma para meia hora e, em consequência, saírem mais cedo no fim do dia ou folgarem aos sábados. A maioria dos empresários concorda com o pleito. Os sindicatos laborais também apoiam. Apesar de todos concordarem, a Justiça do Trabalho considera a pretensão inexequível à luz da CLT, que estabelece uma hora para refeição. Os atores sociais não podem negociar porque são "hipossuficientes".

O conceito da hipossuficiência assemelha-se ao da interdição. Interdita-se uma pessoa quando ela deixa de raciocinar. Os trabalhadores brasileiros - todos eles - são tratados dessa forma pela CLT. Mesmo quando amparados pelo seu sindicato, não têm o direito de fazer escolhas.

Na CLT predomina a cultura do garantismo legal, em que tudo é regulado por lei (não por negociação) nos mínimos detalhes. Com exceção do salário e da participação nos lucros ou resultados, todos os demais direitos são fixados. Não são negociáveis. É rigidez excessiva que não cabe no Brasil de hoje, que é bem diferente do de 1943, quando foi aprovada a CLT.

Para vencer a concorrência interna e externa, o Brasil terá de elevar muito o atual nível de produtividade - que hoje é 20% da produtividade americana -, admitir a terceirização em atividades meio e fim, praticar a produção em rede, abrir espaços para a contratação (legal) de novas formas de trabalhar, etc. Tudo isso exige a modernização da legislação trabalhista.

Além do excesso de rigidez e do garantismo legal, o Brasil tem de conviver com enorme insegurança jurídica, que decorre de leis e sentenças de efeito retroativo. Esse é o caso, por exemplo, da lei do aviso prévio que estabeleceu adicional de três dias para cada ano trabalhado pelo empregado atingindo o passado. De uma hora para outra, aumentou-se o passivo trabalhista das empresas. É isso que leva muitos investidores a dizer que no Brasil nem o passado é previsível. A tributação do passado inibe a capacidade de prever das empresas e o próprio investimento.

Em suma, o Brasil precisa se livrar da rigidez e da retroatividade apontadas. Isso exigirá modificações graduais e deferidas como se costuma fazer nos países avançados. Em outras palavras: as mudanças na legislação precisam ser realizadas parcialmente e com vigência prevista para daqui a quatro ou cinco anos, o que atenuará as resistências culturais e preparará o país para uma legislação que de fato atenda as necessidades dos brasileiros, das empresas e da economia.

                                 José Pastore é professor de relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração e membro da Academia Paulista de Letras.   



Nenhum comentário:

Postar um comentário