Andréa Saint Pastous Nocchi
“430 pessoas morreram trabalhando
para cumprir os prazos estabelecidos pelas empresas ocidentais em uma
instalação que deveria ter sido demolido anos atrás.”
Na linda música "Deixando o Pago", o cantor e compositor Vitor
Ramil escreve
"que o mundo é pequeno e que a vida não vale nada". A morte de mais
de 1.100 trabalhadores no desabamento de um prédio em Bangladesh, no final de
abril, e o número oficial de 2012 de 2.717 brasileiros que perdem a vida em
acidentes de trabalho, demonstram sim, que o mundo é pequeno e que a vida não
vale nada.
Pequeno porque a distância entre o Brasil e Bangladesh é imensa, mas a realidade que envolve as precárias condições de trabalho de milhares de pessoas e a desconsideração com a vida humana nos aproximam; pequeno, porque quando trabalhadores, na sua maioria mulheres, perderam suas vidas naquele desabamento e em outros incêndios que antecederam a tragédia, estavam confeccionando roupas para as grandes marcas da indústria têxtil mundial, que o brasileiro consome ou sonha consumir. Algumas delas, pressionadas pela repercussão deste e de outros acontecimentos, firmaram acordo para fiscalizar e financiar medidas de segurança e contra incêndio nas fábricas de Bangladesh.
“As marcas globais "querem produtos
de alta qualidade entregue o mais rápido e mais barato possível. Eles
também temem que as duras condições de trabalho poderia, se descoberto, criar
escândalo e, portanto, arriscar a sua reputação. No entanto, porque eles
estão competindo uns com os outros, eles não estão dispostos a pagar mais para
a melhoria das condições de trabalho, o que poderia levar a aumentos de preços
que ameaçam a quota de mercado. " http://snowinseville.blogspot.com.br/2013/04/consume-or-deadly-bangladesh-collapse.html
A tragédia traduzida em morte anunciada tem,
pelo menos, três facetas de perversidade. Uma,
o trabalho escravo e a total falta de apreço com condições mínimas de
dignidade. Outra, a fragmentação dos modos de produção que as
terceirizações e todas a divisão da cadeia produtiva disseminam, de modo a
desprezar quem e de que forma se produz para valorizar, apenas a capacidade de
produção e, ainda, uma terceira, vinculada com à morte por acidente de
trabalho.
Qualquer enfoque faz as fronteiras entre o Brasil e Bangladesh desaparecerem
neste mundo pequeno. E a vida, que não vale nada lá, também nada vale aqui. Silenciosamente, cerca de sete
trabalhadores perdem a vida por dia no Brasil. É mais que o dobro das mortes da
tragédia do Paquistão, todo o ano, ano após ano. De tão grave o flagelo, a Organização
Internacional do Trabalho pensa em uma campanha mundial para a prevenção de
acidentes, o governo brasileiro começa a divulgar ações neste sentido e o
Tribunal Superior do Trabalho tem um programa especialmente desenvolvido para
conscientização e redução das mortes e doenças profissionais.
"O trabalho infantil, condições de
trabalho perigosas, jornadas excessivas, salários e pobres continuam a flagelar
muitos locais de trabalho no mundo em desenvolvimento, a criação de escândalo e
vergonha para as empresas globais que fonte dessas fábricas e fazendas."
Mas, enquanto a prioridade for produzir de modo globalizado
e massificado, com baixíssimo custo de altíssimos lucros, a vida não valerá nada
e o mundo continuará a ser pequeno, na comunhão das tragédias.
* Juíza do Trabalho na 4ª Região (RS)
Jornal Zero Hora, 3/6/2013
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