terça-feira, 4 de junho de 2013

"QUANDO A VIDA NÃO VALE NADA"

                     Andréa Saint Pastous Nocchi

 “430 pessoas morreram trabalhando para cumprir os prazos estabelecidos pelas empresas ocidentais em uma instalação que deveria ter sido demolido anos atrás.”

Na linda música "Deixando o Pago", o cantor e compositor Vitor 
Ramil  escreve "que o mundo é pequeno e que a vida não vale nada". A morte de mais de 1.100 trabalhadores no desabamento de um prédio em Bangladesh, no final de abril, e o número oficial de 2012 de 2.717 brasileiros que perdem a vida em acidentes de trabalho, demonstram sim, que o mundo é pequeno e que a vida não vale nada. 

Pequeno porque a distância entre o Brasil e Bangladesh é imensa, mas a realidade que envolve as precárias condições de trabalho de milhares de pessoas e a desconsideração com a vida humana nos aproximam; pequeno, porque quando trabalhadores, na sua maioria mulheres, perderam suas vidas naquele desabamento e em outros incêndios que antecederam a tragédia, estavam confeccionando roupas para as grandes marcas da indústria têxtil mundial, que o brasileiro consome ou sonha consumir. Algumas delas, pressionadas pela repercussão deste e de outros acontecimentos, firmaram acordo para fiscalizar e financiar medidas de segurança e contra incêndio nas fábricas de Bangladesh.


“As marcas globais "querem produtos de alta qualidade entregue o mais rápido e mais barato possível. Eles também temem que as duras condições de trabalho poderia, se descoberto, criar escândalo e, portanto, arriscar a sua reputação. No entanto, porque eles estão competindo uns com os outros, eles não estão dispostos a pagar mais para a melhoria das condições de trabalho, o que poderia levar a aumentos de preços que ameaçam a quota de mercado. "http://snowinseville.blogspot.com.br/2013/04/consume-or-deadly-bangladesh-collapse.html

A tragédia traduzida em morte anunciada tem, pelo menos, três facetas de perversidade. Uma, o trabalho escravo e a total falta de apreço com condições mínimas de dignidade. Outra, a fragmentação dos modos de produção que as terceirizações e todas a divisão da cadeia produtiva disseminam, de modo a desprezar quem e de que forma se produz para valorizar, apenas a capacidade de produção e, ainda, uma terceira, vinculada com à morte por acidente de trabalho. 

Qualquer enfoque faz as fronteiras entre o Brasil e Bangladesh desaparecerem neste mundo pequeno. E a vida, que não vale nada lá, também nada vale aqui. Silenciosamente, cerca de sete trabalhadores perdem a vida por dia no Brasil. É mais que o dobro das mortes da tragédia do Paquistão, todo o ano, ano após ano. De tão grave o flagelo, a Organização Internacional do Trabalho pensa em uma campanha mundial para a prevenção de acidentes, o governo brasileiro começa a divulgar ações neste sentido e o Tribunal Superior do Trabalho tem um programa especialmente desenvolvido para conscientização e redução das mortes e doenças profissionais. 


"O trabalho infantil, condições de trabalho perigosas, jornadas excessivas, salários e pobres continuam a flagelar muitos locais de trabalho no mundo em desenvolvimento, a criação de escândalo e vergonha para as empresas globais que fonte dessas fábricas e fazendas."

Mas, enquanto a prioridade for produzir de modo globalizado e massificado, com baixíssimo custo de altíssimos lucros, a vida não valerá nada e o mundo continuará a ser pequeno, na comunhão das tragédias.

* Juíza do Trabalho na 4ª Região (RS)

Jornal Zero Hora, 3/6/2013

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