Sentença é anulada por cerceamento de defesa
Por Marina Ito
O modo como uma juíza perguntou a testemunhas, colegas de trabalho de um funcionário da Ambev, se eram amigos íntimos, levou a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região a anular a sentença. No caso, foi perguntado se a testemunha era "amigo muito próximo do reclamante" e se, em tese, "desabafaria" sobre problemas pessoais."
Quando as perguntas dirigidas às testemunhas contraditadas revelam o propósito de alcançar respostas almejadas por quem as formula configura-se quadro de tentativa de cerceamento de defesa", constatou o juiz convocado Grijalbo Coutinho, relator do caso no TRT-10.
Para o juiz, o raciocínio que foi construído nas perguntas feitas às testemunhas é voltado para alcançar o resultado afirmativo como resposta. "Se reunirmos 500 trabalhadores de 50 empresas diversas que trabalharam juntos, no mesmo ambiente, o percentual de respostas afirmativas às perguntas da magistrada condutora da instrução será elevadíssimo, especialmente se forem surpreendidos com as perguntas antes de qualquer contato com advogados."
O juiz disse que a culpa disso não é do advogado. Para ele, há uma "leitura profundamente equivocada" do artigo 829, da CLT. Segundo o dispositivo, "a testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação".
Segundo Coutinho, essa leitura equivocada faz com que "qualquer resposta que revele proximidade entre o autor da ação e a testemunha por ele trazida configurar a denominada 'amizade íntima'".
"Precavidos contra essa cultura do acolhimento reiterado da contradita, advogados conversam com testemunhas sobre o assunto, alertando-os sobre a possibilidade de os seus depoimentos não serem colhidos", continua o juiz.
Grijalbo Coutinho lembra que trabalhadores de uma mesma empresa são colegas de trabalho e passam várias horas do dia juntos. "Os colegas de trabalho, enquanto perdura a relação de emprego no mesmo ambiente, são sempre muito 'próximos' porque compartilham das mesmas angústias e vitórias."
O juiz comparou a vida da classe média e a de trabalhadores. "Deprimida, a classe média brasileira vai ao divã, compartilha com psicólogos, psiquiatras e psicoterapeutas os seus dramas muitas vezes escondidos do próprio ambiente familiar e sai revigorada a cada encontro", diz o juiz. "A maioria da população brasileira, no entanto, mesmo sofrendo das doenças da alma humana, não têm acesso aos serviços de saúde", continua. "O seu terapeuta é o vizinho, o companheiro de bar, o colega do futebol, o irmão da igreja, o padre, o pastor e outros personagens os quais não precisam ser amigos íntimos."
Mesmo fazendo tais considerações, o juiz disse que as testemunhas não declararam ter amizade íntima com o funcionário, o que descarta a aplicação do artigo 829, da CLT. Coutinho descartou também a alegação da defesa de que a juíza, ao fazer as perguntas, tenha pressionado as testemunhas. "Não se trata de forçar a dizer algo."
O TRT-10 decidiu anular a sentença e determinou que os autos retornem à 6ª Vara do Trabalho em Brasília para que seja feita a oitiva das testemunhas do funcionário e, assim, permitir a produção da prova testemunhal.
quinta-feira, 11 de março de 2010
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