Os
médicos japoneses têm um termo para designar a morte por excesso de trabalho:
karoshi (de karo, excesso de trabalho, e shi, morte). De acordo com a
literatura sócio-médica, o fenômeno é um acometimento fatal por sobre-esforço
associado, na maior parte das vezes, a longos períodos de horas trabalhadas.
Embora o conceito seja nipônico, pode ser utilizado para descrever a situação
predominante entre os cortadores de cana brasileiros.
A
tese é da desembargadora Ana Paula PellegrinaLockmann, que atua no Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Ela condenou a LDC Bioenergia
S.A. e a Usina Açucareira de Jaboticabal S.A. a concederem adicional de
insalubridade de 20% sobre o salário médio a um cortador de cana que trabalhava
em um calor de 26 graus.
As
empregadoras vão indenizar o trabalhador em R$ 60 mil, entre horas extras e
adicional de insalubridade.
O
entendimento contraria a Orientação Jurisprudencial 173 do próprio Tribunal
Superior do Trabalho, que veda a incidência do adicional de insalubridade quando
o trabalhador é exposto a raios solares, por falta de previsão legal.
“Estudos
demonstram que a exposição demasiada aos raios solares é uma das circunstâncias
que contribui expressivamente para o surgimento de câncer de pele, doenças
oculares (com risco de se evoluir à cegueira), envelhecimento precoce,
queimaduras e eritemas, tonturas, mal-estar, convulsões, desmaios, dentre
outros danos”, diz.
Para
ela, no caso do trabalhador a céu aberto, “a situação de risco se torna bem
mais preocupante, notadamente em se tratando de trabalho rural, cuja jornada
laboral se dá por várias horas sob sol escaldante”.
Só no
interior paulista, entre 2004 e 2007, foram registradas 21 mortes súbitas de
cortadores de cana, conta o pesquisador Francisco Alves, professor do Departamento
de Engenharia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em artigo sobre o
assunto.
De
acordo com os dados, fornecidos pelo Serviço Pastoral do Migrante de Guariba
(SP), as vítimas eram trabalhadores jovens — na faixa dos 24 aos 50 anos — e
oriundas de outras regiões do Brasil, como Minas Gerais, Bahia, Maranhão e
Piauí.
No
voto, a desembargadora também sustenta tese sobre o pagamento de horas extras
no trabalho por produção. “Não há dúvidas de que a remuneração do empregado
braçal em lavoura agrícola, na forma de produtividade, destoa das normas que
asseguram a higidez física e a dignidade do trabalhador, dentre elas a proteção
constitucional que impõe o limite da jornada de trabalho”, anotou em seu voto.
“A
situação ainda se agrava pelo fato de o trabalhador rural, remunerado por
tarefa, e dado o valor quase ínfimo pago pela produção, se ver na necessidade
de produzir cada vez mais e, por consequência, laborar muito além do limite da
jornada e de sua capacidade física, a fim de perceber um mínimo de ganho
razoável para sua sobrevivência, em detrimento de sua saúde”, diz a julgadora.
Ana
Paula lembra que a Portaria 3.214, de 1978, do Ministério do Trabalho do
Estado, “disciplina a insalubridade na hipótese de exposição a calor excessivo,
sendo que não fez qualquer distinção quanto à origem dos agentes nocivos, de
modo que alcançam também os provenientes do Sol”.
Ela
lembra também que a Norma Regulamentadora 21 da portaria, que trata do trabalho
a céu aberto, “estabeleceu obrigação de serem adotadas medidas especiais que
protejam os trabalhadores contra todas as intempéries nela previstas, fazendo
expressa menção à insolação excessiva e ao calor”.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, por Marília Scriboni, 07.05.2012
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