Pela livre negociação trabalhista
Lembro-me de que, na década de 1990, se discutia, e muito, a possibilidade de implantar o Contrato Coletivo de Trabalho no País. Mas a ideia nunca vingava. Perdemos a chance, na época, de termos feito uma reforma trabalhista.
Reforma, sim, pois o Contrato Coletivo de Trabalho deve ser visto sob uma ótica mais ampla, ou seja, como uma base para a mudança do modelo de relações de trabalho. Pode substituir o nosso corporativismo - fundado na estatização do ordenamento trabalhista - por uma maior autonomia privada coletiva, com amplo espaço para a livre negociação.
Os anos se passaram e vários motivos ainda impedem que se implante o Contrato Coletivo de Trabalho no Brasil. Um é a falta de conhecimento de boa parte dos empregados e dos empregadores sobre o assunto.
Trata-se de um instrumento jurídico essencialmente de negociação, que vigora nos EUA e em vários países da Europa. Entretanto, quando mencionado, não raro é confundido com os dispositivos aplicados hoje no Brasil: o acordo e a convenção coletivos de trabalho.
Esses dois instrumentos utilizados atualmente não devem ser entendidos como Contrato Coletivo de Trabalho. Eles são resultados de negociação, na época da data-base da categoria profissional, em que praticamente nada se negocia.
Quase tudo está estabelecido de antemão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na Constituição e em outros dispositivos legais. À livre negociação só restam, de significativos, os salários e a participação nos lucros ou nos resultados (PLR).
No modelo baseado no Contrato Coletivo de Trabalho, ao contrário do que se pratica hoje no País, a maior parte das regras trabalhistas é negociada entre empregados e empregadores. A participação do Estado, neste caso, é quase inexistente, restringindo-se apenas a verificar se as cláusulas do mesmo não ameaçam a ordem social e o interesse público.
É justamente por isso que com a adoção do Contrato Coletivo de Trabalho se consegue flexibilizar nossa legislação trabalhista, hoje extremamente engessada e, em vários casos, desatualizada. Mediante esse novo instrumento, é possível estabelecer um conjunto de regras muito mais exequível, podendo ser levados em conta, na negociação, o setor da economia, o porte da empresa, a região do País, o momento econômico e assim por diante.
Outro motivo que inibe a possibilidade de implantar o Contrato Coletivo de Trabalho é a ausência de interesse de boa parte dos dirigentes sindicais em levar adiante uma verdadeira reforma. O argumento é sempre o mesmo: as "conquistas" trabalhistas são intocáveis.
Assim, a legislação não é revista, atualizada. O que se verifica no País é apenas a criação, no ordenamento jurídico, de mais e mais dispositivos legais. Lembrando apenas a CLT, ela tem mais de 900 artigos. E, como resultado dessa volúpia por criar novas leis, que geram uma extrema complexidade nas relações de trabalho, temos anualmente mais de 2 milhões de processos trabalhistas abarrotando nossos tribunais.
Um terceiro motivo está no argumento de que esse novo instrumento poderá desproteger os trabalhadores, hoje amparados pela legislação. Ora, cumpre assinalar que cerca da metade da População Economicamente Ativa (PEA) não tem carteira de trabalho assinada.
Essa parcela significativa de trabalhadores não está amparada por nada em termos trabalhistas. E a causa disso é essa legislação superprotetora, desconectada em vários casos da realidade, que, paradoxalmente, desprotege uma boa parte dos assalariados, à medida que desestimula a formalização do trabalho no País.
Em razão dos motivos aqui expostos, infelizmente não se vê, pelo menos no curto prazo, um horizonte promissor, no sentido de possibilitar mudanças nas formas de negociação trabalhista. Como na década de 1990, a ideia de adotar o Contrato Coletivo de Trabalho hoje continua não vingando.
Mas, apesar das perspectivas não animadoras, persisto, esperançoso, postulando essa tese, como outros colegas.
Fonte: O Estado de São Paulo, por Sérgio Amad Costa.
professor de recursos humanos , e relações trabalhistas da FGV-SP
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